Ao eleger a ruína como símbolo do século passado, o psicanalista Gérard Wajcman (2001) a define como o “objeto dos restos do objeto”, algo que encapsula a passagem do tempo e a transitoriedade da existência. Marcada pelo abandono e consumida pela memória, a ruína é inseparável de sua experiência temporal constitutiva, configurando-se, assim, como um “objeto mortificado”. Embora próxima da morte, ela persiste, antes de tudo, como objeto – com suas rachaduras, fissuras e marcas do tempo. Seu valor transcende o peso econômico ou o uso original, fixando-se na memória que dela se alimenta incessantemente.
O projeto Ruínas toma esse objeto como uma potência de legibilidade, como algo à espera de um descobridor. Para tanto, revisitamos alguns postulados situacionistas, fixando nas ruínas um motivo para a construção de situações. Em uma de suas publicações em jornais franceses, a situação é definida como um conjunto integrado de comportamentos no tempo, ou seja, ações contidas em um cenário transitório. A ação situacionista, nesse sentido, orienta-se para uma atividade experimental capaz de conceber um campo temporário de ação favorável a um conjunto de desejos mais ou menos definidos. Guy Debord oferece alguns contornos metodológicos para atingir esses objetivos a partir de sua definição de psicogeografia:
A psicogeografia se propõe a estudar as leis precisas e os efeitos específicos do ambiente geográfico, seja ele conscientemente organizado ou não, sobre as emoções e o comportamento dos indivíduos. O encantador e vago adjetivo “psicogeográfico” pode ser aplicado aos achados resultantes desse tipo de investigação, à sua influência sobre os sentimentos humanos e, de forma mais geral, a qualquer situação ou comportamento que pareça refletir o mesmo espírito de descoberta (DEBORD, 2006, p. 8).
As situações envolvendo as ruínas articulam-se em torno da angústia própria da temporalidade e da morte. Em seu movimento contínuo de queda, a ruína condensa em si mesma passado (o que já foi), presente (o que resta) e futuro (a morte). É em torno da ruína que se materializa, no espaço público, o esquema da queda; nela se concentram os aspectos temíveis do tempo, revelando-nos o tempo que fulmina. A ruína é a carnalidade do cenário urbano, que traz consigo todas as inconveniências da decomposição da carne: é fétida, sufocante, pestilenta.
Construir situações a partir das ruínas envolve, de maneira geral, dois momentos distintos. Em primeiro lugar, a construção de situações é coletivamente preparada por um trabalho que envolve literatura, arte visual, fotografia e vídeo. Nesse estágio, esses elementos atuam como agentes diretos da situação vivida, responsáveis por assumir a criação de um projeto coletivo cuja prática resulta na produção de uma ambiência. Em segundo lugar, após a construção do projeto, a situação é apresentada na forma de uma exposição, envolvendo videoarte, fotografias e objetos, para um espectador passivo – ou seja, alguém que não participou da construção da situação –, mas que é convidado a tomar uma posição diante dessas montagens.